Amizade: ambiguidade

E já que o @zirpoli tratou de espalhar meu texto mesmo depois de eu dizer que era apenas para um seleto grupo ler, bora postar no blog.



Amizade: ambiguidade
Por Érika Zemuner




Amizade é coisa frágil.

Leva-se muito tempo para construir uma amizade verdadeira. A confiança vai surgindo de forma gradual, conquistada com muita dedicação. Mas um erro e ela desmorona como caixas de cereal na prateleira do supermercado porque você queria aquela que estava escondidinha lá atrás.

Quando acontece uma identificação forte com seu amigo, vocês juram que não há nada no mundo que possa separá-los, que nunca haverá decepção ou mentira suficientemente forte que seja capaz de destruir o que foi construído. Vocês juram que não haverá mentiras ou decepções. Então um deslize acontece e uma briga, mesmo a primeira, pode ser suficiente para causar um dano irreversível.

Quando fazemos amigos, também criamos expectativas. Logo imaginamos como estaremos no futuro, que nosso amigo estará ao nosso lado sob qualquer circunstância, para vibrar junto com nossas conquistas ou para nos oferecer algumas horas do seu tempo quando as lágrimas são de tristeza. Aí a vida nos obriga a tomar diferentes caminhos, nós ficamos naturalmente mais distantes e, sem perceber, aquele amigo que estava nos planos do futuro torna-se um estranho em pouco tempo.

Fazemos questão de dedicar cada pouco tempo de nossas vidas a esses amigos, mas de repente a vida fica corrida demais e o amigo não é mais prioridade. E não é culpa de ninguém. A vida trata de separar sozinha pessoas que nasceram para completar umas às outras.

Amizade é coisa muito poderosa.

Quando bem cultivada, não há divergência que destrua a relação entre amigos verdadeiros. Aliás, amigos de verdade adoram discordar, porque sabem que a outra pessoa nunca iria abandoná-la ou virar-lhe a cara por causa de uma discussão.

Quando a verdade é o pilar de uma amizade, ela pode ser indestrutível. Porque não há coisa mais eficiente contra um relacionamento que a mentira. Então seu amigo irá entender seus erros e estará pronto para perdoá-lo com sinceridade, pois você também já precisou relevar outras coisas.

Não suportamos a forma como alguém da família deixa tudo bagunçado pela casa, mas em nossos amigos amamos até aquela característica mais irritante. E isso, no fundo, faz parte da personalidade dos nossos amigos, pois, sem esses defeitos, eles não seriam tão perfeitos.

Quando dois amigos se amam, não há distância ou tempo contra. Pode haver centenas de quilômetros ou meses e anos separando duas pessoas, mas cada conversa ou encontro apagam as adversidades. E é como se nunca houvesse uma separação.

Quando há amizade verdadeira, não são necessárias muitas demonstrações e provas de afeto. Um olhar é suficiente. Quando dois amigos de conhecem, um completa os pensamentos do outro, sabem o que o outro pensa apenas por um gesto, sabe que a pessoa não está passando por um bom dia num simples cumprimento levemente mais desanimado que o habitual.

Amigos sabem se comunicar por detalhes que ninguém mais percebe. Há um código que pertence apenas a eles, que eles conquistaram sendo cúmplices um do outro.

Amigos não têm medo de nos perder para outras pessoas, pois sabem que o que existe entre nós e eles é único e incomparável. Mesmo nas piores crises, há a certeza de que a pessoa voltará – decepcionado, pedindo desculpas, arrependido, mas voltará. E nós estaremos prontos para compreender e esquecer novamente, porque, oras, é isso que amigos fazem.

Amizade é uma coisa contraditória e complicada. E, normalmente, quando mais complicado algo é, mais vale a pena.

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Não se deixe enganar pela falsa sensação pacífica. Esta foto deve ter sido feita num feriado.


Mesmo correndo o risco de ser óbvia e insistir em socar a mesma tecla, preciso expressar publicamente as últimas experiências vividas por mim nessas semanas que se passaram e, para o bem da minha saúde mental, terminaram. Mas não me alegro e nem me iludo, pois outras semelhantes virão (N.d.A.: olha, eu escrevi isso no final de setembro, mas é perfeito pro momento, então nem vou mudar a introdução).

A parte boa da última semana (ou meses) que se passou é que houve muito aprendizado. Aprendi que não devo ignorar a presença de um cálculo renal quando ele aparece. Isso demonstra uma propensão a desenvolver outros e pode levar você ao hospital num domingo à noite, quando a única pessoa com carteira e meia-coragem pra dirigir está viajando. Além disso, a pessoa mencionada pode voltar poota da vida, dizendo que dessa vez vai obrigar a filha relapsa a ir a um médico de qualquer forma, mesmo que a filhinha tenha completado 26 anos de pura irresponsabilidade com a própria saúde. Outra lição que guardarei pra vida toda é: nunca, em hipótese alguma, entre em um ônibus biarticulado em Curitiba caso esteja chovendo. Nunca.

Qual a relação entre ônibus e chuva? A mesma que chuva e trânsito; a mesma que fila e gente babaca; a mesma que atraso e sinal vermelho; a mesma que pressa e computador travado; a mesma que pressa e velhinhas na calçada; a mesma que sua vida e a lei de Murphy: na teoria, nenhuma. Mas essas coisas costumam se atrair numa freqüência de deixar qualquer monge maluco da vida. O ser humano deve ter sido programado pra entrar em pane total diante de uma situação de ajuntamento popular. Porque simplesmente não há explicação lógica para o comportamento das pessoas no meio da multidão, principalmente se a multidão é usuária do sistema público de transporte.

O pior disso tudo é que, possivelmente, eu ainda estou reclamando de um dos sistemas de transporte mais eficientes do país. Desculpa, mas ser “mais eficiente” diante de uma total falta de parâmetro não me serve. Não interessa se fulaninho lá no meio do país enfrenta mais dificuldades que eu. Os ônibus em Curitiba continuam superlotados, as pessoas continuam mal educadas, o trânsito continua estressante aqui onde eu moro. Digo isso porque, sempre que quero descontar minha frustração cotidiana com o planejamento urbano da cidade, tem alguém pra dizer que ouviu falar de alguém que pega vinte ônibus, dois metrôs e ainda anda quinze quilômetros pra chegar no raio que o parta. Engraçado que nivelar por baixo não era argumento quando eu estudava, ia “mal” numa prova (ficar 0,5 abaixo da média, sei lá) e dizia que todos os meus amigos também enfrentaram dificuldades. Sempre ouvia um “mas eu não sou mãe do fulano”. Agora, quando eu me sinto prejudicada moralmente, é válido usar a desgraça alheia. Pera lá, né.

Passei de desempregada para usuária de biarticulado(s). Não sei o que é pior. No início, como eu sou covarde demais pra me aventurar a usar uma linha que desconheço, ia com o micro-ônibus que passa aqui perto de casa até o centro e de lá pegava outro em que permanecia por apenas três estações-tubo. Mas aí essa conta começa a pesar no meu salário de assistente editorial e eu tive que sair e enfrentar a vida. Acompanhe: o dia começa com um Interbairros III tranquilo, uns 10 minutos de viagem até o terminal. No terminal é que começa o drama propriamente dito. Lá eu entro no Centenário/Campo Comprido. Não é possível mesmo que um ônibus com a palavra “campo” seja uma experiência edificante. Normalmente, espero uns dois desses passarem pra entrar em um mais tranquilo em que sobre pelo menos um caninho em que segurar (pois é, vida que eu tenho nego pena que é fácil). Sem maiores detalhes (que virão a seguir, aguarde), chego a outro tubo no centro e lá finalmente embarco no Santa Cândida/Capão Raso, que me deixará perto do trabalho.

O problema, no entanto, não é a viagem, não é o estado dos terminais de ônibus da cidade, não são as estações-tubo. O problema são as pessoas. Pessoas. Todas entram em tamanho estado de desespero por sei-lá-o-quê que já embarcam mirando qualquer lugar pra se agarrar e lá permanecer até seu ponto de chegada, mesmo que você esteja nesse lugar. Ou seja, primeiro erro: galera não aprendeu na escola a lição básica de que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço. Há também aqueles que querem ficar sentados lindos e cheirosos (not) em seu banquinho até o ponto em que precisará descer. Daí, chegando perto, nota que vai precisar sair de lá na força e sai empurrando o que estiver na frente no melhor estilo jogador de rugby. E dá-lhe agarrar bolsa, fones de ouvido, tudo o que estiver levando consigo para que nada saia do ônibus sem você – isso quando não é necessário tomar o devido cuidado para que você não seja levado pela massa pra fora ou pra dentro do ônibus. Então você sobrevive à viagem, chega no tubo e descobre aquela galera parada na porta esperando para entrar naquele ônibus de que você acabou de sair. É um Deus nos acuda! Mais uma vez as pessoas desafiam as leis da física. Então, no final, quando só falta aquele terceiro ônibus pra essa epopéia terminar, vem mais dificuldade: as pessoas que precisam descer não se contentam em ficar perto da porta, elas precisam ficar agarradas NA PORTA mesmo que não precisem descer no próximo ponto. A distribuição demográfica é comovente: portas 2 e 4 (de saída) entulhadas e o resto do ônibus muito sossegado.

Esses problemas quadruplicam em dia de chuva, porque, não sei o que acontece, mas o povo perde a capacidade de raciocínio em situações adversas. O pessoal que quer sair de um ônibus se choca com aqueles que querem pegar o mesmo e com os que querem ir nas outras portas para embarcar em outro. Tudo. No. Mesmo. Lugar. Do. Tubo. Só sei que na última quarta-feira, quando mais choveu no horário de rush, quase entrei involuntariamente em um ônibus que não precisava tamanha foi a fúria da multidão querendo passar. Mais à frente, uma garota começava a empurrar as pessoas para conseguir passar e, quando finalmente saiu de onde se concentrava a muvuca, esbravejava que tinham passado a mão nela no meio da confusão. Muita classe, muito glamour, muito brilho, muita felicidade.

Interbairros III, Centenário, Santa Cândida. Você pode chamar o inferno por qualquer um desses nomes, pois eu duvido que exista neste ou em qualquer outro mundo uma representação melhor da morada do capeta. É por essas que eu duvido seriamente da existência de céu, purgatório e inferno. Não aceito que enfrentar essa rotina todos os dias não seja parte da quitação da minha dívida, eu não tenho tantos pecados assim pra pagar. O inferno é aqui, o inferno são os outros, já diziam os Titãs.

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