* Escrito ao som da trilha sonora de Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel.
Meu eu leitor demorou a ser despertado. E, fazendo uma reflexão sobre minhas influências literárias, concluo que sempre tive bons exemplos: meu pai sempre assinou jornais e revistas; quando eu era criança, ele assinava a revista “Turma do Clubinho” (eu teria colocado um link para uma capa, mas a referência é tão antiga que eu não achei, comprovando que estou realmente velha); sempre tive em casa gibis da Disney e da Turma da Mônica. Está no sangue mesmo. Meu próprio pai era colecionador de quadrinhos e revistas foto-novela. E, enquanto você pensa “uaaaaau, foto-novela, que oooold”, saiba que elas fizeram muitas tardes minhas. Ótimas tardes. Aquelas revistas envelhecidas e datadas pelos cortes de cabelo e a moda que denunciavam seus 30 anos, encontradas em uma caixa guardada e esquecida em algum canto da casa dos meus avós, chegaram a mim tardiamente, mas foi incrível ter em mãos algo que meu pai lia muito antes de pensar em se casar e ser pai. E causou uma alergia nunca antes vista na história desta pessoa que vos fala, mas foi legal.
Confesso: nem sempre eu gostei de ler. Não sei bem por quê. Pode ter sido culpa da escola pública que eu frequentei da 2ª à 4ª série, já que lá não se incentivava esse tipo de coisa. Mas também pode ter sido culpa da escola particular em que cursei da 5ª à metade da 7ª série, que, logo no início do ano, passava a lista dos livros a serem comprados para cada bimestre – livros estes sobre os quais os alunos precisavam preencher fichas de leitura (personagem principal, resumo, o que mais gostou, por quê, mimimi, boring ao extremo). Ou ainda, quem sabe, foi trauma de tantas mudanças de escola (depois dessas, vieram outras...). Ah, mas os gibis sempre estiveram comigo, até antes de eu aprender a ler. Assim que comecei a decifrar as primeiras palavras, eu me orgulhava em demonstrar minha nova habilidade, e o primeiro livro que li, também de uma prateleira da minha avó, foi Chapeuzinho Vermelho. Eu li, reli, re-reli, re-re-reli... Mas se alguém tentava me obrigar a ler eu fazia pirraça. Ninguém, a não ser a escola, me obrigou a ler.
Os livros que eu comprava, então, ficavam engavetados no meu quarto e eu passava de ano em português porque escrevia bem e sempre gostei da matéria, porque, se dependesse da literatura, teria sido um fiasco atrás do outro. Então, um dia, minha prima me ofereceu um livro: A Marca De Uma Lágrima, de Pedro Bandeira. Sim, o mesmo contra cuja uma das obras se cometeu a atrocidade de gravar uma adaptação com Sasha no lugar da protagonista e Xuxa vestida de Cinderela da terceira idade. Mas o Pedro Bandeira continua sendo um ótimo autor infanto-juvenil e eu o perdoo por ter permitido que se fizesse isso. Dinheiro é bom e todo mundo gosta, né não? É.
Voltando ao que importa, demorei pra ler o tal livro, mas foi chegando o dia de devolvê-lo para a dona e me obriguei a ler mais pra evitar a vergonha de ter passado um ano com ele do que por vontade (não que eu tenha ficado com o livro um ano por desleixo, por favor, mas porque ela mora longe de mim e me emprestou pra que eu devolvesse da próxima vez que nos encontrássemos). E incrivelmente aquele livro foi devorado em dois dias. Eu levava ele comigo pra todo lugar que eu fosse e não fiz mais nada até terminar. Pronto, descobri que gostava daquilo, gostava de ficar horas e horas desligada do mundo pra dar atenção àquele novo mundo das páginas. Dali em diante, nenhum problema pra ler. Inclusive, resgatei aqueles títulos que a escola me obrigava a comprar só pra fazer a prova e li todos (cabeça dura eu? Imagina!).
Mas chega o ensino médio e com eles os clássicos da literatura brasileira. Revolta! Jorge Amado? Um velho tarado! (Acho isso dele até hoje, desculpa aí.) José de Alencar? Fica enrolando páginas e páginas pra contar aqueles romances cheios de água com açúcar. Modernistas? Gente chata que precisava de uma boa louça pra lavar. Machado? MACHADO? M-A-C-H-A-D-O? O primeiro livro que li dele, por causa do vestibular, foi Esaú e Jacó. Maldita UFPR! Aquele livro foi um trauma, não acontecia nada, quase o livro todo foi feito pra ficar martelando na cabeça das vítimas deste sacripanta que ousou idealizar a ABL pra que hoje velhinhos pseudo-escritores como Paulo Coelho pudessem se reunir para o chá das 17 horas o quanto Pedro e Paulo eram diferentes. E pensar que, segundo disse um dos participantes do Nerdcast, lá fora os alunos têm como leitura obrigatória Senhor dos Anéis (não que o Tolkien não dê um pouco de sono em alguns momentos também... rs).
Então todos estes conceitos e preconceitos criados por mim vieram abaixo. Conheci um professor que sabia de cor (sabia DE-COR) todo o Dom Casmurro. Gente, esta foi minha redenção, o insight que me faltava, mais forte que a revelação dos segredos de Fátima, mais apoteótico que a destruição da Estrela da Morte, mais emocionante que o Sam carregando o Frodo rumo à destruição do Um Anel (espero ter colocado referências suficientes).
Aquilo mudou minha vida...
(Continua em 2010...)
¹ Este é o título do meu futuro-livro, ainda sem nem um capítulo escrito, mas idealizado na minha cabeça, ideia que devo à Cela(@cela26).