Valores, Literatura e Arte

É, depois de um grande hiato na vida deste blog, eu volto com um assunto chato pra muitos. O problema é que nada me motiva mais do que indignação. Não consigo pelo menos não criar um texto defendendo aquilo em que eu acredito e, como verão, mexeram no meu calcanhar de Aquiles. Portanto, aqui vai mais um texto doutrinador da Érika.



Se você é minimamente envolvido com arte, seja de que área for – cinema, música, literatura, pintura, escultura, dança ou teatro, além de outras manifestações artísticas que se juntaram a essas sete fundamentais -, sabe que, um novo período após o outro, há em comum entre eles a quebra de padrões estabelecidos por seu antecessor direto. Não que seja necessária a completa independência entre esses períodos culturais (e nem acredito que isso seja possível, já que pra haver oposição é necessariamente obrigatório haver a que se opor), mas novos conceitos surgem para dar início a uma nova era artística.

Esta é, afinal, uma das razões da existência da arte: a construção de novos valores através da desconstrução de algo previamente estabelecido e que começa a ficar confortável demais. A arte também existe pra chocar, fazer repensar conceitos, remexer com o que estava perfeitamente encaixado. Ora, se chegarmos a um ponto em que não houver mais o que se discutir e criar, teremos alcançado o fim da capacidade intelectual humana após milênios de evolução. Nós também, quando chegarmos ao ponto de achar que nada mais nos acrescenta, estamos no limiar do nosso potencial de crescer como seres complexos que essencialmente somos.

Todo esse discurso tem como objetivo chegar à questão que realmente me importa, a de que me entristece profundamente testemunhar jovens que se autodenominam leitores com menos de 20 anos de vida dizer que “a literatura brasileira não tem valor”. Sim, eu permaneci anos no curso de Letras me dedicando ao estudo de algo que, de acordo com esse ser humano superexperiente, não tem valor. Não que isso de alguma forma me abale e me faça repensar se valeu a pena. Entendo que essa afirmação partiu baseada na ignorância de quem ainda tem muito a aprender. Mas foi inevitável que isso perturbasse meus pensamentos.

Valor pra quem? O que essa pessoa quis dizer com “valor”. Se a utilidade (com o perdão do pragmatismo) da literatura pra esse jovem é estar por dentro das tendências de mercado apontadas semanalmente pela lista de 10 Mais Vendidos da Veja, talvez conhecer Fernando Sabino, Cecília Meireles e Guimarães Rosa seja realmente inútil. O que o garoto que disse isso não sabe, porém, é que o valor da literatura não se mede no número de livros vendidos, e sim na quantidade do que ela tem a dizer, no quanto ela influenciou geração após geração e em quanto nos permite pensar e evoluir culturalmente.

Como já foi dito anteriormente neste mesmo espaço, arte e entretenimento podem conviver mutuamente, cada um com seu espaço e atendendo a diferentes necessidades. Mas, diante de tal profanação, a conclusão a que chego é a de que a anulação da arte é fatalmente, em muitas ocasiões, o resultado do consumo massivo de livros que normalmente viram filmes e conquistam tantos “leitores”. Refiro-me aqui principalmente às aventuras em séries que tomam conta do mercado editorial (séries que normalmente trazem protagonistas-heróis destinados a salvar o mundo, a se sacrificar pelo bem maior, que não temem a morte, corajosos... E também aos casais que enfrentam todos os problemas do mundo pra terminarem juntos).

Chamo de “leitores”, com aspas, pois acredito que pra muitos a melhor definição seja “consumidores”. Leitor, na minha concepção, é aquele indivíduo que usa cada livro que lê como propulsor para buscar novas formas de narrativa, novos níveis de complexidade, novas estruturas; pessoas que buscam aumentar seu repertório não só porque todos estão lendo determinado título, mas para construir uma opinião crítica baseada mais em conhecimento e menos em achismos. Consumidor, sim, é aquele que, convencido pela propaganda, resolve adquirir um produto e volta sempre às prateleiras para renovar seu estoque quando ele acaba.

Produtos enlatados. É com o que muitos consumidores de livros confundem literatura. Estão de tal forma habituados a uma receita que qualquer coisa que fuja desse padrão perde a data de validade. Quando chega o momento em que o entretenimento engessa a capacidade de aprender, está na hora de rever valores, de questionar de que lado estamos: leitores ou consumidores? Robôs programados a se manter numa linha de aquisição de conteúdos similares ou seres intelectuais em constante transformação? Ruminantes a digerir o mesmo bolo alimentar repetidas vezes ou absorvidores de conhecimento?

Para esta que vos fala, o valor da literatura está muito mais no quanto ela me permite amadurecer como ser humano do que em números editoriais vantajosos. E não me julguem elitista por querer que as pessoas coloquem arte/cultura e entretenimento em seus devidos lugares. Não acho que se deva fazer uma pira com toneladas de páginas de livros “divertidos”, nem acho que é prioridade na vida ler todos os clássicos do mundo. Mas cada coisa tem seu momento e sua função. Dizer que literatura brasileira não tem valor e que ler Dan Brown ou Homero acrescenta a mesma coisa na vida de alguém é homicídio cultural.



PS: Sim, o esforço pra não citar Machado foi grande.

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