Revolucionando a dramaturgia

Sem esse papo de que novela é coisa de gente ignorante, de massa, que emburrece e todos esses papinhos que os espertões de plantão adoram repetir pra afirmar sua posição não-me-misturo-com-essa-gentalha. Como eu não me canso de repetir, não há problema nenhum sentar no sofá em frente à TV e desligar o cérebro por alguns momentos (exceção a programas do estilo Casos de Família da “jornalista” Christina Rocha, que pra mim, além de um vazio ideológico, é um programa de extremo mau gosto). O problema está em fazer daquilo o objetivo da sua vida. Você não é babaca por ver novela e encarar isso como entretenimento, mas, por outro lado, achar que todo espectador de novela é idiota é de uma extrema idiotice. As novelas estão arraigadas na cultura nacional e não será a revolta dos que reclamam a cada novo capítulo de Viver a Vida que mudará isso.

Apesar da breve defesa, voltemos à realidade: as novelas brasileiras têm estado muito ruins, sim. Ou será apenas um surto saudosista que ocorre a todos nós e traz aquela sensação de no-meu-tempo-tudo-era-melhor? Não tenho certeza. Só sei que nossos dramaturgos estão perdendo a mão. É um festival de releitura de personagens já escritos, de cenas já gravadas, de heróis que perdem seu espaço pra algum coadjuvante Nem a Helena do Manoel Carlos funcionou dessa vez.


Porque não basta um regime para você ficar magérrima, muito creme no cabelo, roupas esvoaçantes e uma grande mídia em cima…


… quando alguém pode roubar sua cena simplesmente deitada em uma cama.¹



É a constatação dessa falta de inspiração por parte dos novelistas que faz surgir em mim vontades súbitas de escrever minha própria novela. Sério. Quando era criança, eu costumava escrever roteiros de peças de teatro só pelo gosto de ficar ensaiando falas com amigos, adorava visualizar as cenas e escrever as falas de todo mundo. Entre os maiores sucessos estão Joana e Maria (teve que ser adaptada porque éramos 3 meninas no elenco), A Promessa (uma história de um duende amaldiçoado que precisava transmitir seu posto pra algum desafortunado que encontrava – foi escrita muito antes de Lost) e uma versão de baixíssimo custo de Abracadabra (sim, o filme das bruxas). Esta última foi realmente apresentada pra um grande público – todas as crianças de uma escola de 1ª à 4ª série da cidade em que eu morava. Eu realmente gostaria de ter a chance de escrever o próximo folhetim das 20 horas. Quer ver? Então eu orgulhosamente vos apresento...


Pontos em que eu revolucionaria a teledramaturgia brasileira:

- Os personagens seriam pessoas reais. Nada de Leblon, de acordar às 5 da manhã com o delineador impecável e blush pra dar cor de saúde ao rosto. Seriam cortados também os passeios à orla de qualquer praia carioca antes do trabalho. Em que mundo um trabalhador tem tempo de curtir um vôlei com os amigos saradões na areia antes de ir pro serviço? Por outro lado...

- Empregadas com cara de empregadas! Não com a cara da Juliana Paes, da Sharon Menezes ou qualquer outra gostosa só pra provocar o patrão. Ah, e nem nordestina com voz aguda ao extremo. Alimentar estereótipos não é o objetivo.

- José Mayer nem seria escalado, porque deixou de ser galã há muito tempo.

- Acabou o passe livre pro outro lado do mundo como se uma viagem ao redor do globo fosse fácil como comprar vale-transporte pra andar de ônibus ou de metrô. A galera não precisa de visto, passaporte, tempo e muito menos dinheiro? Viagem, na minha novela, só pra Balneário Camboriu no fim do ano ou Porto Seguro na formatura.

- Usar favela? Tudo bem, mas vamos caprichar no elenco, certo? Traz o cast de Cidade de Deus. E deixa de fora o Juvenal Antena (Duas Caras, quem lembra?) apadrinhando todo mundo e dando a entender que morar na favela pode ser melhor do que viver em condomínio de luxo.

- Nada de estrangeiros! Ou, no mínimo, estrangeiros com sotaque verdadeiro. Porque ninguém é obrigado a aturar o Tony Ramos carregando no mesmo sotaque novela após novela. E nem venha me dizer que é só simbólico. Coloca uma legenda embaixo dizendo "Itália - 2010" e pronto! Todo mundo entede que aquele povo está, supostamente, falando intaliano. Sabe o que é mais triste? Essa gente paga um profissional formado naquele idioma pro pobre sujeito ser obrigado a destruir a inocente língua que não tem nada a ver com o fato de que brasileiro acha chique enfiar uns “capisce” entre uma cena e outra.

- Mocinhos menos otários. De verdade, irrita demais o conceito de bondade das nossas novelas. Você pode ser bom sem ser idiota. Vingança, às vezes, deixa um sabor doce na boca.

- Sem irmãos que não sabiam que eram irmãos, depois se apaixonam, precisam enfrentar a dor da separção e descobrem que, na verdade, são irmãos coisa nenhuma porque era um golpe de suas respectivas famílias. Aliás, essa lição já deveria ter sido aprendida.

- Nada de crianças precoces-cuti-cuti-aka-insuportáveis. É sempre a mesma história: a novela não tem mais em que se apoiar e apela para as crianças, porque todo mundo acha fofo e lindo. Daí a mídia transforma essas criaturas em monstros de egos inflados antes dos 10 anos de idade. E, a não ser pelo ostracismo, não há quem conserte.

E pra encerrar com a cereja do bolo:

- Vilões se dando bem no final. Eu simplesmente s-o-n-h-o em ver um vilão, daqueles bem FDP mesmo, esfregando sua vitória na cara da ala cheia de moral. Gente, é ficção! Ninguém estará deturpando os valores sociais só por escolher mudar o final uma vez na vida. Não falo aqui de fugas pro exterior onde o bandido pode desfrutar de seu anonimato. Estou falando em triunfo, em tapa na cara da sociedade. Esse desejo se multiplica quando penso em políticos. Não é assim que acontece? No final, mesmo com toda a opinião pública e meios de comunicação condenando, eles sempre se dão bem. Sempre. Então pra que fingir que eles pagam por seus erros e que o político honesto consegue convencer a população a tirá-los do poder? Vamos começar a injetar doses de realidade nas pessoas.


Só digo uma coisa: se cuida, Maneco.


¹Claro que a piada não é minha. Peguei na caruda do Não Salvo.

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