Maitê: intelectual que defende a paralização das obras de Belo Monte.
Ainda me lembro como se fosse hoje do dia em que fui sugada para o esporte de discussões virtuais. Falei mal do Paulo Coelho em um fórum. Lancei uma opinião inocente e, ingênua, achei que no máximo alguns gatos pingados leriam. Para minha surpresa, descobri que mais pessoas gostavam do velho mago do que eu imaginava. Voltei lá para provar que eu estava certa e perdi o medo de expor minha opinião na internet. A esta, seguiram-se outras opiniões, outros debates e peguei gosto pela coisa.
Aliás, se existe algo de que eu gosto é provar que eu estou certa. Mas, obviamente, eu não cometo o erro de ir tomar partido em alguma discussão antes de fazer um estudo sobre o caso para fundamentar a minha opinião. Se eu entro em uma briga, é para ganhar. Se eu já vou com esse objetivo, significa que eu já me armei de argumentos que, no mínimo, me impeçam de parecer uma demente aos olhos das pessoas com que estou dialogando. Acerto sempre? Claro que não, mas é necessário que me provem onde estou errando para rever meus conceitos sobre determinado assunto.
Ultimanente, a possibilidade de discussão argumentada diminui em razão relativamente inversa ao acrescimento de comunidades e grupos virtuais. As pessoas parecem estar perdendo o hábito de entrar em um debate para provar seu ponto de vista ou ser convencido pelo outro polo da discussão de que precisa repensar seu posicionamento. Os membros-amebas desses grupos procuram pessoas com que se identificam, que compartilham seus gostos, e não para se aprofundar sobre o que estão falando. Se você clica no join de alguma comunidade/grupo de um cantor, por exemplo, a expectativa criada é a de que você irá lá dar um RT ou um [+1] em todos os elogios que já foram postados sobre o artista. Experimente dizer apenas que, poxa, você gosta do Zé do Cavaquinho, mas o último CD dele não ficou tão bom quanto poderia. Certamente alguém lhe brindará com o amistoso convite ao grupo “Eu odeio o Zé do Cavaquinho”, pois você, herege, é um traidor da causa das zé-cavaquetes e não merece o convívio daquelas pessoas. Você é um rebelde, um troll que apareceu apenas para desestabilizar a paz que reinava entre os fãs do Zé do Cavaquinho.
Tão ruim quanto um posicionamento cegado pelo fanatismo é a ausência total de uma opinião. Aproveitando-se deste vazio, pontos de vista parasitas farão desta mente intocada um hospedeiro de seus ideais. É claro que ninguém sabe de tudo. E muito menos somos obrigados a assumir uma posição em relação a tudo. Eventualmente surgirão assuntos pelos quais não nos interessamos ou sobre o qual nunca nos informamos e não há nada errado nisso.
O problema reside em aceitar a primeira versão dos fatos e não se preocupar em averiguar a veracidade das informações que chegam em cascata. A internet deveria facilitar o acesso à informação, mas, ao invés disso, parece (pelo menos a meu ver) estar criando um grupo de opinantes preguiçosos. Acostumados à velocidade da internet, são pessoas que acham absurdo perder 15 ou 30 minutos lendo um texto simples para adquirir informações confiáveis. Então, como em terra de cego, quem tem um olho é rei, ganha aquele que chega primeiro, independentemente de suas intenções e seus argumentos.
O último exemplo disso é o absurdo vídeo sobre Belo Monte. Seja você contra ou a favor de tal usina, precisa saber que as informações do vídeo são completamente contestáveis e chegam a induzir o espectador ao erro. Um dos mais engraçados é levar o público-cidadão a pensar que investimentos do Estado com o dinheiro dos cofres nacionais são prejudiciais ao povo. Seria com o dinheiro de quem? Dos políticos, do Zé do Cavaquinho, do seu vizinho? Obra de utilidade pública é realizada com dinheiro de impostos que pagamos mesmo, e nem poderia ser diferente. Dinheiro de iniciativa privada é colocado em jogo quando quem lucra é a iniciativa privada, não os cidadãos. Enfim, o vídeo em questão pode ser classificado como um desserviço. Se existiu nele alguma vantagem, foi a de levar alguns a procurarem informações corretas sobre Belo Monte. Infelizmente, estes são minoria.
O ponto de tudo isso é: desconfiem do óbvio. Sei que estamos condicionados ao senso comum, que, se alguém levanta uma causa em prol de uma minoria, a tendência é acatarmos os argumentos que nos chegam. Falou em Amazônia, pensou em desmatamento, em fim do mundo, em oh, meu deus, não deixem ninguém chegar perto do pulmão do mundo!; quando sabemos que uma pobre menininha foi expulsa da faculdade por causa de um vestido, a primeira coisa que se passa na cabeça é malditos machistas medievais que destilaram sua fúria em uma mulher! A vítima está por aí, nas páginas de fofocas sobre sub-sub-sub-sub-celebridades e parece que diploma ela nunca viu, nem conseguiu, nem ouviu falar. Pois é. (Não que o diploma deva ser obrigatoriamente o objetivo de qualquer ser vivente neste planeta, mas, para quem esteve tão preocupada em defender seu livre acesso à faculdade e lutar pelo seu direito de estudar independentemente de sua vestimenta, parece que o máximo que ela tem lido são revistas de fofoca na recepção de salões de beleza e consultórios de cirurgiões plásticos.)
Sou muito cética. Gosto de entender como pensam os dois lados de toda questão em que me enfio. Acho que esse hábito foi adquirido com um professor de redação no ensino médio. Segundo ele, a melhor forma de escrever é prever o que o leitor irá pensar sobre seus posicionamentos e se adiantar a ele, encontrando as brechas deixadas pelo caminho. É o que faço. Procuro furos nos meus argumentos, crio contra-argumentos, releio tudo muito atentamente para evitar um ponto fraco que possa me derrotar em qualquer discussão. O difícil, mesmo, é encontrar quem esteja disposto a discutir. São poucos os que escolhem o árduo trabalho do debate quando se tem maravilhas como o 9gag. Um clique e todos os seus amigos são informados sobre o que interessa a você. Discutir por quê? Compartilhar é o novo preto.