All you need is um pouco de cultura e vergonha na cara




Se você, assim como eu, achava que a turma do "imagina na Copa" já tinha incomodado o suficiente com a escolha do Rio de Janeiro como sede dos próximos jogos olímpicos, dê cá um abraço. Pois é, amigos, a ladainha ganhou um novo episódio com o encerramento da Olimpíada de Londres e continuou hoje com a divulgação da música-tema de 2016

Posso viver mil anos, mas nunca vou conseguir entender que tipo de coisa se passa na cabeça de quem abre a boca para dar sua opinião cretina sobre o que não sabe, muitas vezes apoiando-se somente em lugar-comum. Assim que o Rio foi declarado campeão na disputa com Madrid, o que não faltou foi gente para dizer que o dinheiro gasto seria melhor utilizado em saúde e segurança, que isso seria desculpa para desvio de dinheiro e todos os outros clichês que essa turminha do barulho gosta de repetir. A constatação é a de que esse tipo de opinião unilateral e pouco embasada vem de gente que não se interessa nem minimamente por política e só gosta mesmo de posar como cientista social. Não estou negando que existam coisas muito podres no meio de tanta alegria, apenas que este tipo de discurso está sempre pronto para qualquer circunstância. Mas essas pessoas ignoram outros pontos de vista. Ser uma potência mundial passa por fazer parte de grandes eventos, sejam eles reuniões sobre economia e desenvolvimento sustentável ou festividades como copas e olimpíadas. Isso traz visibilidade, força investimentos e melhorias para o país e coloca o Brasil no centro das atenções mundiais. Isso tudo tem consequências boas também. 

Então mais um absurdo: o próprio brasileiro, que presencia de camarote o país realizar um evento como o Carnaval, que tem uma duração de (pelo menos) quatro dias com muita alegria, samba, micareta, abadá, putaria purpurina, lantejoula e alegorias, duvida de sua capacidade de fazer o que sabe melhor: festa. A gente escuta samba-enredo desde que nasce, mas uma festinha de 3 horas o Brasil não saberá realizar? É inacreditável. Pois eu apostaria que a mesa do COB já está abarrotada de currículos de carnavalescos, coreógrafos, bailarinos e costureiras querendo ter seu nome relacionado à produção das festividades que abrem e encerram o evento. Não se preocupem, pois disso a gente entende bem. 

Só que esse ceticismo é apenas o início dos problemas. Lendo os comentários de reação à bela festa realizada no encerramento dos jogos e ao vídeo Os grandes deuses do Olimpo visitam o Rio de Janeiro, entende-se que existe enraizado no brasileiro um preconceito em relação a si mesmo e suas origens. E isso não é sequer novidade. Já tivemos demonstrações recentes e claras disso quando, em consequência da eleição de Dilma Rousseff, muitas pessoas declararam seu ódio aos nordestinos, que, segundo os coitados que assim diziam, seriam os responsáveis por esta tragédia. Portanto, não chega a ser chocante que gente sem respeito por cidadãos da mesma nacionalidade que a sua não o tenha também pela cultura brasileira. 

Enquanto os artistas britânicos se apresentavam no Estádio Olímpico de Londres, jovens em sua ânsia de vomitar bobagens insistiam em fazer comparações de âmbito cultural entre as duas nações. "Enquanto os ingleses mostram Beatles, a gente tem Cláudia Leitte", "aqui, em vez de Spice Girls, vai ser Rouge", "eles têm Queen, nós temos Restart" (esta última é invenção minha, mas não duvido que tenha existido). Mas melhor que tudo isso foi notar o desespero dos brasileiros diante das maravilhas britânicas e o horror de não possuir as mesmas referências que desfilaram no estádio (ignorando completamente que One Direction e Russell Brand têm tanta relevância para mundo quanto muitas porcarias que se consomem aqui no Brasil). 

Pois digo que, para as pessoas que se sentem muito melhor representados pela cultura europeia do que pela brasileira, os 8 minutos destinados à prévia do Rio 2016 foi um tapa na cara. Marisa Monte, Renato Sorriso, Seu Jorge, BNegão e Alessandra Ambrósio mostraram ao mundo que o Brasil é culturalmente rico, tem uma música contagiante e não ficará devendo nada a Londres (sem mencionar a presença de Pelé no finalzinho). Apenas índios, capoeira, samba e futebol não representam o seu Brasil? Então saiba que isso tudo representa a imagem do Brasil para a maior parte do mundo. Não tem como fugir desses clichês. Seria o mesmo que a Inglaterra deixar de fora Beatles, Big Ben, os ônibus vermelhos de dois andares ou a J.K. Rowling. Aposto que para muitos ingleses isso não está diretamente relacionado ao seu cotidiano, mas é nisso que as pessoas de fora pensam primeiro quando se fala do lugar. Você pode curtir Los Hermanos, Móveis Coloniais de Acaju, ouvir folk e viver em São Paulo (onde não tem sequer uma planta, muito menos tribos vivendo em mata intocada), mas não é isso que inglês quer ver. Aceite que eles querem cair no samba, ver mulata rebolando os glúteos, vestir a camisa amarela da seleção de futebol, colocar cocar de índio. 

Embora os comentários feitos durante a festa de encerramento tenham irritado bastante, o melhor do pior estava guardado para hoje. Foi quando aquele autopreconceito já mencionado ficou gritante demais. A divulgação deste vídeo escancarou a ignorância que os jovens brasileiros em geral (ou pelo menos os que se dão ao trabalho de vir à internet fazer comentários estapafúrdios) possuem em relação à própria cultura. Sim, além de menosprezá-la, eles claramente a desconhecem. Muita gente foi a público reclamar da escolha dos artistas que participaram do clipe. Pelo que pude entender durante o pouco tempo que consegui encarar a realidade me esbofeteando as duas faces, a maioria pedia melhores representantes, pois aqueles do vídeo não fazem jus à nação brasileira.

Aposto que essa gente indignada e culta não entendeu, por exemplo, o que Marisa Monte cantou quando passou brevemente pelo palco do Estádio Olímpico naquela biga (para manter as referências olímpicas) de guarda-chuvas azuis. Será que eles sabem que se tratava das Bachianas brasileiras de Villa-Lobos? Ou melhor, será que essa turminha pelo menos sabe quem é e o que fez Heitor Villa-Lobos? Será que aqueles que reclamam da presença do Mr. Catra (por quem nutro simpatia zero) nunca dançaram e cantaram enlouquecidamente hits como My Humps e Don’t Want No Short Dick Man? Será que o povo que reclamou de colocarem um "bêbado" no vídeo já ouviram falar de Dioniso, o deus grego das festividades e do vinho (que foi substituído por cerveja)? Será que o cidadão que disse que o Brasil não tem nada cultural para mostrar (sim, li isso também) tem noção da importância e qualidade de nomes como Adriana Calcanhoto, Lenine, Chico Buarque, Arnaldo Antunes, Tom Zé, Sérgio Mendes, Hermeto Pascoal, Cartola, Noel Rosa, Dorival Caymmi, Martinho da Vila, Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Elis Regina? Não me entendam mal, ninguém é obrigado a gostar de nada disso, mas ignorar nossos artistas e dizer que não temos nada para mostrar extrapola qualquer nível de insensatez. 

Sim, tudo isso me deixa Afrodite da vida. Sei que não deveria ser dada muita importância para o julgamento de gente que reclama de cultura brasileira e nunca leu Machado de Assis porque 'não quer ler com um dicionário do lado'. Mas é inevitável. Tenho a sensação de que os jovens estão cada vez mais imbecilizados e de que a liberdade de opinião proporcionada pela internet está criando esses monstrinhos que adoram fingir preocupações que não possuem com a sociedade. Pessoas que acham que o fruto do vizinho é sempre melhor e produtos de língua portuguesa não valem tanto quanto o Crepúsculo da vez. O que preocupa é que esses mesmos jovens deveriam estar aprendendo para poder mudar o que existe de errado. Porque, não, o Brasil não é perfeito, mas a síndrome de vira-lata também não tem utilidade nenhuma e prejudica todos os aspectos sociais do país – escritores não conseguem publicar ou vender seus livros, músicos não conseguem competir com os hits da Billboard, ninguém se sente motivado a ajudar a alterar problemas políticos. É triste testemunhar o brasileiro menosprezar o que o país tem de mais precioso, que é sua pluralidade cultural.

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