Passandos dos limites

Você pode não gostar da Globo e até ser um dos adeptos das incontáveis teorias conspiratórias que atribuem à emissora responsabilidade por tudo que ocorre no país, desde eleições duvidosas (se bem que nesse caso...) até às catástrofes climáticas em Santa Catarina, mas não pode negar que os programas dela são as de melhor edição, com as melhores equipes de profissionais de todas as áreas. Pelo menos aqui no Brasil. Mas eu me pergunto: o que foi a final desta última edição de No Limite, o reality show que fez que foi, mas acabou voltando?

Minha intenção era não acompanhar sequer um minuto desta edição. Em primeiro lugar, mesmo que o programa não tenha a mesma dinâmica de um BBB, brasileiro é muito burro quando se trata de julgar vilões e mocinhos nessas situações e eu faço questão de não compactuar com isso. Infelizmente, por causa da minha internet lixo de forças terríveis, fui obrigada a assistir a um dos episódios desse amontoado de equívocos e ontem me permiti o pecado de dar breves conferidas na final. Minha culpa, confesso.

Repito: o que foi esta final? O programa em si era totalmente desnecessário, visto que já tinha perdido sua força lá atrás, na segunda edição. Todo mundo lembra que a primeira vencedora foi a gordinha desacreditada que desbancou a sarada-gostosa-obviamente-campeã. E o segundo? Todo mundo se lembra do olho de cabra, os protestos que se seguiram àquilo, alguns revoltados com a crueldade em relação aos animais, outros indignados com a brutalidade intrínseca ao fato de se arrancarem os olhos das cabrinhas (rá!). Aliás, até o suculento aperitivo (not!) foi repetido nesta edição (em qual estamos? Terceira? Quarta?). Gente, hello, isso é tão last season. Quem ainda se sente desconfortável com a situação? O homem vem estudando, se aprimorando, suas capacidades ultrapassando todas as barreiras, Usain Bolt provando que o céu é o limite. Outra: se hoje em dia há quem aceite ficar meses embaixo do mesmo teto que Dado Dolabella por um trocado, o que é um olho de cabra? Não convenceu, não tem o mesmo impacto.

O que me chamou a atenção mesmo foram as mudanças que decidiriam o campeão e feliz ganhador dos 500 mil. Insanamente, mantiverem os eliminados em cativeiro para criar um tal júri que seria decisivo para a escolha do vencedor. Estranho, mas tudo bem. Eis que a final chega e descobrimos que o júri de fato escolheria quem merece sair de lá com o troféu joinha-parabéns-campeão. A grande prova final, normalmente a mais longa e aguardada da edição, serviu simplesmente para selecionar uma das finalistas. A decisão final coube aos perdedores e aí está a parte comicamente trágica, aquela que faz você se perguntar “cadê o diretor dessa bagaça pra dizer que isso não vai prestar?”. Decerto ele estava brincando de esquibunda nas dunas cearenses e não viu nada daquilo.

Constrangimento é a palavra. Qual a chance de que essa final fosse aquela explosão de alegria e papel picado voando pelo céu? Primeiro erro: além de ser eliminado, você precisa votar em quem vai levar o dinheiro que você pretendia que fosse seu. Claro que os participantes estariam com aquela cara de bunda. E foi isso que aconteceu: a maioria votava dizendo que estava ali apenas pra cumprir tabela e, se pudesse, avançava ali mesmo no pescoço das duas finalistas (ok, não com essas palavras, mas estava tudo subentendido por baixo dos eufemismos). Por falar em finalistas, ainda não consigo me decidir pela menos sem sal. Incrível como a equipe de Boninho parece ter perdido a capacidade em conseguir pessoas minimamente interessantes pra perder a dignidade em rede nacional. Então o resultado e... É isso, o resultado. Só. A emoção de ler isso numa nota breve no caderno de variedades do jornal e assistir ao vivo seria a mesma; a garota em-pa-ca-da ali no centro, olhando constrangida e sem saber que reação deveria ter, logicamente ciente de que seus ex-companheiros de confinamento exílio não estavam ali pela alegria dela e muito menos estavam felizes por sua felicidade; fogos estourando tardiamente, quase simultaneamente aos créditos finais do programa; o júri mantendo aquela mesma cara de bunda com que foram eliminados; Zeca Camargo visivelmente constrangido, mandando eles levantarem porque a festa é sua, a festa é nossa, é de quem quiser, quem vier.

Ela ganhou, êêêê, viva! Apague a luz quem sair por último. Agora é aguardar o BBB10 e... Definitivamente, não.




Festona boa, heim? Ô!



PS: Perdeu a festança? Aperta o play e tente se divertir. Se estiver com preguiça de ver os votos e a efusividade dos participantes, pule para o 6'30''.

Uma vida esportiva nada rinhosa e límpida

Há alguns dias, futucando algumas velharias do meu fotolog cujo endereço eu não passo porque aquilo é parte de um passado negro que eu já esqueci, deparei-me com uma foto minha e de alguns amigos num boliche. Eu não sei porque insisto nesses esportes exóticos já que não tenho talento para eles – os esportes. De qualquer tipo. Qualquer.

Daí lembrei que nem sempre foi assim. Sim, caríssimos, esta que vos fala, atualmente uma sedentária viciada em internet, já foi uma esportista. Infelizmente, minhas boas memórias de práticas saudáveis limitam-se aos tempos da ginástica olímpica, pois no resto eu era um desastre. Na escola, a maior tortura, pra mim, eram as horas da educação física. A frustração era maior ainda porque o resto da turma simplesmente adorava ficar lá fingindo estar levando aquilo a sério, quando, na verdade, estavam todos satisfeitos pela sensação de estarem burlando as aulas convencionais.

O problema é que, como se não bastasse o martírio de precisar jogar basquete sendo baixinha, futsal morrendo de medo de levar bolada na cabeça daquelas cavalas (fala sério, toda turma tem aquele grupinho de altonas burras que se acham “as” esportistas) e handebol mesmo... Nem sabia direito o que era isso, pô! Se quer fazer gol, vai jogar futebol; se quer bater numa bola, já inventaram o vôlei. Enfim, voltando ao princípio, além de tudo isso, havia aquela hora ultra-humilhante da escolha dos times. Obviamente, a anã nerd que só se destacava em português (eu) sabia que só seria escolhida quando restassem apenas as que nem pra tirar nota sabendo a classificação das palavras serviam. Eu classifico esse tipo de episódio na categoria “momentos constrangedores que os professores poderiam evitar e só não o fazem porque os desconhecem ou repetem para descontar a frustração de terem passado pelo mesmo”. Só pode ser isso. Mas quer saber? Era bem melhor assim, afinal a bola nem chegava a mim – qualquer pessoa com o menor espírito competitivo também não o faria. Arriscar a vitória do time a troco de se preocupar em tratar a destrambelhada como se ela fizesse alguma diferença? Not!

Eu só fui à forra quando resolveram incluir atletismo no cronograma da matéria. As atividades eram realizadas em grande parte no espaço do ginásio em que aconteciam as aulas de ginástica olímpica e disso, claro, eu entendia. Ah, mas quase ia me esquecendo de que mesmo nesse campo que já me era familiar a professora conseguiu frustrar minhas expectativas de mostrar que eu servia pra alguma coisa. Neste lugar, havia cordas presas até o teto do ginásio. As meninas da ginástica usavam pra treinar, subiam nele até lááááá em cima e, no fim, tinham que tocar um sininho e tentar descer em espacato, só no muque. É, parece tortura nazista, mas eu nunca cheguei a ser boa o suficiente pra isso. Só subia, tocava o sininho e descia normalmente, morrendo de medo de despencar (nem sei por que, tinha um fosso com muita espuma embaixo). Numa educação física dessas, corri para a fila que tentaria, inutilmente, subir a tal corda. Chegou a minha vez e eu pronta para deixar todo mundo impressionado. Mas bastou uma olhada e a Führer de saias, praticamente certa de que ninguém conseguiria subir 15 centímetros, disse pra eu descer, visivelmente assustada de que acontecesse alguma coisa e ela tivesse que responder por uma aluna abusada que não sabia fazer um gol mesmo sem um goleiro embaixo das traves e estava contrariando a lógica.

Também sempre gostei de patinar, mas, da última vez que coloquei um par de patins nos pés, levei um tombo que por pouco não foi totalmente filmado e virou hit no Youtube. Melhor nem entrar em detalhes. Agora sabem por que estou aqui, dedicando-me a um blog, não ganhando uma medalha e cantando o hino nacional em cima de num pódio.






PS: Claro que o ginásio com “espaço para ginástica olímpica” era colégio particular, né. Eu conheço as escolas públicas também e bem sei que elas mal têm redes de vôlei, imagina então o aparato todo que esse esporte exige.

PS²: Adoro PS’s, já perceberam?

Update: Consegui uma prova de que eu já fui uma ginasta!

Ao som do Danúbio Azul

PS¹: Caros educadores e/ou donos de instituições de ensino, a ideia contida neste artigo está aberta a sugestões de implantação na realidade pedagógica escolar. Valores a negociar. Solicitar curriculum vitae nos comentários deste post.



Talvez futuramente eu mude a posição deste parágrafo, mas quero começar explicando o que seria Danúbio Azul. Não, ninguém é obrigado a saber o que é isso, mesmo que a maioria já conheça, afinal nem todos deixarão como legado na Terra uma monografia sobre Wall-E (mal aí quem não me aguenta mais falando disso... (nem é sobre isso, continue na página!)), mas boas ideias merecem ser entendidas (modéstia? Nunca fomos apresentadas). Bem, Danúbio Azul é o nome de uma valsa mundialmente conhecida, também, por proceder a igualmente bela Also Sprach Zarathustra no filme 2001: Uma Odisséia no Espaço. Se a canção anterior marcava um momento de evolução – o homem primata descobrindo a ferramenta -, a composição de Johann Strauss representa a realidade tecnológica num estágio já avançado. Ok, eu ainda não assisti ao filme, mas quem nunca pagou de pseudointelectual (grrrr!) que atire o primeiro tomate.

Desde que meu pai morreu, e isso já faz 9 anos, eu ouço a frase “tinha que ter um homem nesta casa” sempre que algum problema de ordem elétrica, mecânica, arquitetônica ou marcenerística(?) ocorre. Isso sem mencionar a declaração do imposto de renda, mas pra isso tem o contador. O drama: só moramos eu, minha irmã e minha mãe aqui em casa. A especialidade da maninha é ajustar relógios (som, DVD, TV, rádio, micro-ondas...), o da minha mãe, cozinha, presumimos então que o resto sobra pra mim. Às vezes eu tento resolver um ou outro obstáculo, mas a ausência de um homem aqui é sentida até numa simples troca de lâmpada, não sei por que raios. Me dá uma cadeira e eu resolvo, p***! Eu me recuso a precisar do sexo masculino pra isso. Estou longe de ser feminista e ainda acho as moças que dobraram a jornada de trabalho da mulher umas otárias que deveriam ter sido queimadas junto com seus sutiãs, mas tenho meu orgulho, obrigada.


Já ouvi também o relato de uma jovem mãe que, precisando se mudar sozinha com o filho, viu-se diante da situação de ter que desmontar um guarda-roupa e, para não se perder (ainda mais), enumerou cada porta que tirava do móvel para poder remontá-lo em sua casa nova. Identifiquei-me de imediato! Na minha primeira mudança sem assessoria masculina, fui a encarregada do computador. Hoje isso é simples até pra mim, claro, mas na época foi como se eu estivesse à beira de prestar vestibular, aquela impressão de que um errinho faria mundo viria abaixo, em cima da minha cabeça. O que eu fiz então? A c-a-d-a cabo que eu desplugava, grudava na tomada um papel com um número e fazia o mesmo em seu correspondente de entrada no gabinete (organizada eu sou, ninguém pode contestar). Calculem o nível do meu desespero num tempo em que cabo USB ainda era contado como vantagem em um periférico. E se isso me assustou, sendo eu uma adolescente de 16 anos, no auge do deslumbramento com internet e tecnologia, imagine pessoas mais velhas que precisam encarar essa realidade desenfreada. Melhor, não imaginem, vejam!!! Já existe o personal tecnológico, um (pilantra) especialista em ensinar as pessoas como enviar fotos de uma câmera digital para um pc (!).

Então vem a proposta: por que não incluir ensino de novas tecnologias no currículo escolar? Digo isso tendo em vista minha recente dificuldade em conseguir desvendar os mistérios de um template de blog (fora que meu pc está precisando ser formatado, mas me faltam culhões para realizar o feito). E olha que eu sei sacar dinheiro em caixa eletrônico, bem como realizar transferências no mesmo sem formar uma fila enfurecida atrás de mim e, principalmente, sei manusear uma câmera digital. Aposto que a matéria seria muito mais útil do que aprender a resolver matrizes ou decorar as siglas que simbolizam cada tipo de clima do planeta (a de Curitiba é CWB *orgulho*). É uma realidade. Mais dia, menos dia, todos precisarão de um blog, mesmo que seja pra postar 3 vezes e desistir diante da constatação que isso não deixa ninguém rico. Ainda existem colégios que lecionam “culinária”, por que não oferecer independência tecnológica às futuras gerações? Seria isso parte de um plano para alimentar a autoafirmação masculina e jovem, conferindo ao primeiro grupo a impressão de que ainda precisamos de seus préstimos e ao segundo a de que velho (entende-se velho como: passou dos 30 e não sabe mais nem usar o botão da TV) tem que se contentar com suas pantufas e ficar em casa? E a medida deve ser implantada a tempo, antes que a realidade nos coloque em convívio com R2-D2's domésticos.


Eu acho digna minha idéia, acho sim [/serena].




¹ PS, neste caso, significa "pré-scriptum²", afinal está acima do texto.
² Mentira, claro que eu inventei. E por acaso alguém sabe qual é o antônimo de "post", em latim? Pois é.

Update: "Antes", em latim, é "ANTE". E Érika também é cultura.
Errata: O link para a música Also Sprach Zarathustra estava errado e foi corrigido. E o blog começa bem, vamos que vamos!

Relato de uma observação antropológica numa experiência psicossinestésica¹ ²

Ônibus são, de fato, uma fonte inesgotável de observação social, pelo menos em Curitiba, onde pessoas das mais variadas divisões urbanas optam pelo transporte público. O resultado de todo esse papo de planejamento urbano “modelo” no país acaba possibilitando esses encontros curiosos e elucidativos.

Normalmente eu evito contato com esse mundo multifacetado e prefiro meu autismo consciente. Mas, às vezes, esse universo peculiar existente dentro de aglomerações chamadas “ônibus biarticulados” (que é coisa linda de turista ver, já que eles não precisam estar dentro de um diariamente) extrapola as fronteiras de qualquer distração que sirva pra ludibriar a realidade. Aí, amigo, não há livro empolgante ou música boa ouvida no último volume com fones atochados no ouvido que segurem a voracidade do coletivo. Foi isto que me ocorreu dia desses.

Acho que já devem ter notado que nós percebemos a presença do outro através de nossos sentidos. Dentro dos ônibus coletivos, é melhor ignorar o do tato ou você vai sair dando tabefe na cara a rodo, afinal é impossível evitar o contato com a massa - alguns sabem disso e se aproveitam para saírem ilesos. Pode-se desviar, passar com jeitinho, mas o (populacho) povo vai ao seu encontro. Vamos ignorar o paladar neste relato, afinal ele não é de grande utilidade pra ninguém neste contexto, a não ser que você seja o faminto filho da mãe que abre salgadinhos fedorentos ou compra aquela pipoca com bacon gordurosa na Praça Rui Barbosa (substitua o nome próprio por qualquer aglomerado de pontos de ônibus, bancos de praça e gente jogando milho para os pombos que houver na sua cidade).

Restam-nos, portanto, apenas três alternativas - tato e paladar já foram. O curioso dos fatos que se seguem é que tentei me utilizar dos três para desviar minha atenção da sucessão de bizarrices que contemplei.

Salvo em casos de férias escolares em que eu vou à aula e que, portanto, os ônibus estão vazios, o hábito é que eu permaneça em pé mesmo, porque meu caminho até a PUC é relativamente curto e também porque aquele raio de Interbairros V (saca o nome promissor) é muito cheio, então nada a ver eu ficar desesperada por um banquinho. Bem feito pra mim e meu sedentarismo, que, neste dia, procurando um cantinho em que eu pudesse segurar, avistei um banco vazio no fundo e não resisti a ele. Pequei: fui em direção ao lugar desocupado e me sentei. A esta altura, já estava com minha música ligada e meus fones prontamente em atividade (acredite quando eu digo que evito a sociedade. Pois é!). Então, no próximo ponto, eis que entra um grupinho de 4 ou 5 adolescentes e se dirige até onde eu estava e sentam meio espalhados: uma garota ao meu lado direito, outra na ponta esquerda, e outra na frente desta. O garoto que as acompanhava permaneceu a minha frente, já que à esquerda e à direita seu grupinho formou a frente de combate. Agora começa o drama propriamente dito.

Primeiro, o mentecapto que ficou em pé começou a falar alto, rir, fazer piadinhas e todas as coisas típicas de um adolescente normal quando este se encontra em bando. Mas, aparentemente, as garotas não estavam tão animadas quanto ele, pois não riam de suas piadas e ainda soltavam expressões de insatisfação discretamente. Acho que ele era o mala que teve que ir pra casa da amiga fazer trabalho porque algum professor FDP decidiu os grupos pelos alunos. Ou qualquer coisa do tipo. Neste ponto eu já tinha aumentado o volume da música a um nível que eu normalmente não ouço e, ao mesmo tempo, que não me deixaria surda no final do trajeto. Então uma pessoa à direita desce e o enjeitado jovem risonho senta-se ao lado da amiga, sacando prontamente da mochila um pacote de bolacha (ou biscoito, que eu acho horrível) e oferecendo para cada uma de suas acompanhantes. Haja volume no iPod. Neste momento em que meu campo visual foi invadido pelo espalhafato alheio, tento me concentrar apenas na música (ou podcast, não me lembro). E como isso só não bastava, tentei encontrar algum ponto fixo em que concentrar meu foco de visão para não ficar com raiva de braços passando na minha frente oferecendo guloseimas para meio mundo. Eu, que tenho um poder de concentração ótimo quando me interessa, consegui desviar minha atenção para prosseguir a viagem.

Um certo movimento anormal mesmo para aquele veículo from hell inicia-se e minha atenção se volta para um outro grupinho de amigos logo em frente, sentados nas cadeiras dispostas ao contrário do sentido do ônibus (deu pra entender?). Digo, dois estavam sentados, uma estava meio que trepada desajeitadamente em frente à garota sentada e um quarto elemento estava em pé no degrau da porta (ainda falo sobre comportamento inadequado dentro da coletividade). A menina antes sentada levanta-se e meu sexto sentido grita “ALGUMA COISA VAI COMEÇAR A FEDER, OLHA A CARA DESSA MALUCA!”. Realmente, a menina parecia estar acordando de um longo coma em que não existia escova de cabelo, as mechas desgrenhadas denunciando o estado subumano (essa reforma me mata de desgosto). A menina-zumbi se dirige à escada e senta-se com a cabeça entre os joelhos, e já dá pra adivinhar o que estava se passando, certo? Adolescentes, sexta-feira à noite, com cara de cu e passando mal dentro do ônibus? Cachaça. E a morfética ainda senta num banco de costas pro sentido do tráfego. Ah, tá, e isso pode dar boa coisa? Não.

Minutos depois, a garota-filha-duma-égua-manguaceira resolve golfar ali mesmo, na escada do ônibus, onde minutos depois eu teria que pisar para descer no meu destino. Como tudo que é ruim ainda pode piorar, o cheiro que se alastrou confirmou para todos os presentes num raio de 5 metros que ela tinha, realmente, bebido como se não houvesse amanhã. Os amigos, com o constrangimento minimamente exigido de alguém nesta situação, acham a solução para amenizar os efeitos do porre da colega. Tem coisa mais esperta que borrifar, num ambiente fechado e tomado pelo cheiro fétido da festinha alheia, um vidro de Rexona Teens? Ma-ra-vi-lha! Troféu joinha pra eles.

Mais uma vez, tento distrair minha atenção. Meu nariz protestando contra aquela mistura de fragrâncias, meus olhos se recusando a acreditar no que viam: uma juventude que circula pelos ônibus públicos às 19 horas totalmente embriagados. Para encerrar o espetáculo de forma brilhante, o garotinho mala oferecedor de lanchinho volta à cena. “Do you understand what’s happening?”. What the fuck? O intelecto em pessoa queria comentar a desgraça alheia e resolve fazê-lo em inglês nível Wizard Book 2, certo de que apenas ele dentro daquela bagaça entenderia essa frase complexa. Os absurdos continuam e é um festival de pronúncia horrenda, com lacunas preenchidas pelo português na falta do vocabulário estrangeiro. As amigas, justiça seja feita, não estavam incentivando aquela atitude, e pareciam tão constrangidas quanto os amigos da beberrona, que neste momento olhavam para o iludido bilíngue, certamente entendendo a intenção do comilão.

Desgraça completa. Tentei olhar para o lado e ignorar a nojeira em frente, tentei não pensar no odor daquela mistura bizarra de perfume e vômito, tentei me focar na música, apenas na música, ÉRIKA VOCÊ NÃO ESTÁ VENDO ISSO, NÃO ESTÁ SENTINDO ISSO, NÃO ESTÁ OUVINDO NADA DISSO. Mas não sou monge nem o Daniel San, não tenho um poder de meditação tão inatingível. Inglês primário gritado no meu ouvido para que a colega do outro lado pudesse entender foi demais. Ainda bem que não demorou muito e o ônibus chegou ao portal da faculdade, onde desci, alegre de estar finalmente indo para a aula. E como eu já estava bem de tragédias neste dia, poupei-me de mais uma. Andei um pouco até a frente do ônibus e desci na porta mais próxima, deixando a garota em paz com sua rejeição etílica.



¹ Ou “Crônica do Interbairros V”.

² A autora prefere “psico-sinestésica”, mas a reforma ortográfica manda duplicar a letra caso o prefixo termine em vogal e a palavra seguinte for iniciada por ‘r’ ou ‘s’.

A Autora


Imagem meramente ilustrativa.

Escorpiana típica que não acredita em horóscopo, Érika mora em Curitiba, tem 20 e alguns anos, mas nunca ligou pra ser velha para os padrões dos viciados em internet (não se importava até seus amigos começarem a usar este argumento em discussões sempre que possível). Formada em Letras pela UFPR, ainda não sabe como um diploma de licenciatura pode ser útil para alguém que não quer lecionar e tem pavor de adolescentes. Por isso, cursa pós-graduação em Comunicação, Cultura e Arte na PUC-PR na esperança de que isso ajude de alguma maneira.

Sensibilizada com o preconceito sofrido pela gramática, sempre gostou de escrever e não esmoreceu nem mesmo quando a professora da 5ª série, ao saber que sua redação tinha quatro páginas, disse que ela não precisava ler tudo aquilo. Mas isso tampouco lhe serviu de alguma forma ainda. Na verdade, ela espera um dia escrever um best-seller minimamente melhor que os livros da Stephenie Meyer e melhor adaptado que os livros da J.K. Rowling. Autor preferido? Machado de Assis.

Tem algumas manias, é perfeccionista, suas músicas não vão para o iTunes e nem são executadas antes de estarem todas devidamente encapadas com imagens dos álbuns em 500x500 pixels e muito menos inclui no programa músicas avulsas. Suas preferências são Franz Ferdinand, The Killers, Móveis Coloniais de Acaju, Los Hermanos (em memória) e a boa fase dos Paralamas do Sucesso, mas não abre mão de um pop se for daqueles viciantes que todo mundo está cantando e dançando por aí.

Gosta bastante de cinema, mas infelizmente a carreira de crítica encontra-se estagnada porque mora em uma cidade carente de sessões de imprensa. Seus filmes preferidos são as animações, de preferência da Pixar, mesmo que Shrek 2 (porque o terceiro é uma porcaria) seja a animação que mais assistiu na vida. Também curte muito o tio Tim Burton porque os filmes dele, apesar de sombrios, são bem legais.

Também gosta de futebol e seu time é São Paulo Futebol Clube, mas faz uma forcinha pra torcer por outros times se estiverem jogando contra o time sem estádio mais cheio de ex-jogadores em atividade do país.

Em uma frase? Ela perdoa, mas não esquece.

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