Mesmo correndo o risco de ser óbvia e insistir em socar a mesma tecla, preciso expressar publicamente as últimas experiências vividas por mim nessas semanas que se passaram e, para o bem da minha saúde mental, terminaram. Mas não me alegro e nem me iludo, pois outras semelhantes virão (N.d.A.: olha, eu escrevi isso no final de setembro, mas é perfeito pro momento, então nem vou mudar a introdução).
A parte boa da última semana (ou meses) que se passou é que houve muito aprendizado. Aprendi que não devo ignorar a presença de um cálculo renal quando ele aparece. Isso demonstra uma propensão a desenvolver outros e pode levar você ao hospital num domingo à noite, quando a única pessoa com carteira e meia-coragem pra dirigir está viajando. Além disso, a pessoa mencionada pode voltar poota da vida, dizendo que dessa vez vai obrigar a filha relapsa a ir a um médico de qualquer forma, mesmo que a filhinha tenha completado 26 anos de pura irresponsabilidade com a própria saúde. Outra lição que guardarei pra vida toda é: nunca, em hipótese alguma, entre em um ônibus biarticulado em Curitiba caso esteja chovendo. Nunca.
Qual a relação entre ônibus e chuva? A mesma que chuva e trânsito; a mesma que fila e gente babaca; a mesma que atraso e sinal vermelho; a mesma que pressa e computador travado; a mesma que pressa e velhinhas na calçada; a mesma que sua vida e a lei de Murphy: na teoria, nenhuma. Mas essas coisas costumam se atrair numa freqüência de deixar qualquer monge maluco da vida. O ser humano deve ter sido programado pra entrar em pane total diante de uma situação de ajuntamento popular. Porque simplesmente não há explicação lógica para o comportamento das pessoas no meio da multidão, principalmente se a multidão é usuária do sistema público de transporte.
O pior disso tudo é que, possivelmente, eu ainda estou reclamando de um dos sistemas de transporte mais eficientes do país. Desculpa, mas ser “mais eficiente” diante de uma total falta de parâmetro não me serve. Não interessa se fulaninho lá no meio do país enfrenta mais dificuldades que eu. Os ônibus em Curitiba continuam superlotados, as pessoas continuam mal educadas, o trânsito continua estressante aqui onde eu moro. Digo isso porque, sempre que quero descontar minha frustração cotidiana com o planejamento urbano da cidade, tem alguém pra dizer que ouviu falar de alguém que pega vinte ônibus, dois metrôs e ainda anda quinze quilômetros pra chegar no raio que o parta. Engraçado que nivelar por baixo não era argumento quando eu estudava, ia “mal” numa prova (ficar 0,5 abaixo da média, sei lá) e dizia que todos os meus amigos também enfrentaram dificuldades. Sempre ouvia um “mas eu não sou mãe do fulano”. Agora, quando eu me sinto prejudicada moralmente, é válido usar a desgraça alheia. Pera lá, né.
Passei de desempregada para usuária de biarticulado(s). Não sei o que é pior. No início, como eu sou covarde demais pra me aventurar a usar uma linha que desconheço, ia com o micro-ônibus que passa aqui perto de casa até o centro e de lá pegava outro em que permanecia por apenas três estações-tubo. Mas aí essa conta começa a pesar no meu salário de assistente editorial e eu tive que sair e enfrentar a vida. Acompanhe: o dia começa com um Interbairros III tranquilo, uns 10 minutos de viagem até o terminal. No terminal é que começa o drama propriamente dito. Lá eu entro no Centenário/Campo Comprido. Não é possível mesmo que um ônibus com a palavra “campo” seja uma experiência edificante. Normalmente, espero uns dois desses passarem pra entrar em um mais tranquilo em que sobre pelo menos um caninho em que segurar (pois é, vida que eu tenho nego pena que é fácil). Sem maiores detalhes (que virão a seguir, aguarde), chego a outro tubo no centro e lá finalmente embarco no Santa Cândida/Capão Raso, que me deixará perto do trabalho.
O problema, no entanto, não é a viagem, não é o estado dos terminais de ônibus da cidade, não são as estações-tubo. O problema são as pessoas. Pessoas. Todas entram em tamanho estado de desespero por sei-lá-o-quê que já embarcam mirando qualquer lugar pra se agarrar e lá permanecer até seu ponto de chegada, mesmo que você esteja nesse lugar. Ou seja, primeiro erro: galera não aprendeu na escola a lição básica de que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço. Há também aqueles que querem ficar sentados lindos e cheirosos (not) em seu banquinho até o ponto em que precisará descer. Daí, chegando perto, nota que vai precisar sair de lá na força e sai empurrando o que estiver na frente no melhor estilo jogador de rugby. E dá-lhe agarrar bolsa, fones de ouvido, tudo o que estiver levando consigo para que nada saia do ônibus sem você – isso quando não é necessário tomar o devido cuidado para que você não seja levado pela massa pra fora ou pra dentro do ônibus. Então você sobrevive à viagem, chega no tubo e descobre aquela galera parada na porta esperando para entrar naquele ônibus de que você acabou de sair. É um Deus nos acuda! Mais uma vez as pessoas desafiam as leis da física. Então, no final, quando só falta aquele terceiro ônibus pra essa epopéia terminar, vem mais dificuldade: as pessoas que precisam descer não se contentam em ficar perto da porta, elas precisam ficar agarradas NA PORTA mesmo que não precisem descer no próximo ponto. A distribuição demográfica é comovente: portas 2 e 4 (de saída) entulhadas e o resto do ônibus muito sossegado.
Esses problemas quadruplicam em dia de chuva, porque, não sei o que acontece, mas o povo perde a capacidade de raciocínio em situações adversas. O pessoal que quer sair de um ônibus se choca com aqueles que querem pegar o mesmo e com os que querem ir nas outras portas para embarcar em outro. Tudo. No. Mesmo. Lugar. Do. Tubo. Só sei que na última quarta-feira, quando mais choveu no horário de rush, quase entrei involuntariamente em um ônibus que não precisava tamanha foi a fúria da multidão querendo passar. Mais à frente, uma garota começava a empurrar as pessoas para conseguir passar e, quando finalmente saiu de onde se concentrava a muvuca, esbravejava que tinham passado a mão nela no meio da confusão. Muita classe, muito glamour, muito brilho, muita felicidade.
Interbairros III, Centenário, Santa Cândida. Você pode chamar o inferno por qualquer um desses nomes, pois eu duvido que exista neste ou em qualquer outro mundo uma representação melhor da morada do capeta. É por essas que eu duvido seriamente da existência de céu, purgatório e inferno. Não aceito que enfrentar essa rotina todos os dias não seja parte da quitação da minha dívida, eu não tenho tantos pecados assim pra pagar. O inferno é aqui, o inferno são os outros, já diziam os Titãs.
A parte boa da última semana (ou meses) que se passou é que houve muito aprendizado. Aprendi que não devo ignorar a presença de um cálculo renal quando ele aparece. Isso demonstra uma propensão a desenvolver outros e pode levar você ao hospital num domingo à noite, quando a única pessoa com carteira e meia-coragem pra dirigir está viajando. Além disso, a pessoa mencionada pode voltar poota da vida, dizendo que dessa vez vai obrigar a filha relapsa a ir a um médico de qualquer forma, mesmo que a filhinha tenha completado 26 anos de pura irresponsabilidade com a própria saúde. Outra lição que guardarei pra vida toda é: nunca, em hipótese alguma, entre em um ônibus biarticulado em Curitiba caso esteja chovendo. Nunca.
Qual a relação entre ônibus e chuva? A mesma que chuva e trânsito; a mesma que fila e gente babaca; a mesma que atraso e sinal vermelho; a mesma que pressa e computador travado; a mesma que pressa e velhinhas na calçada; a mesma que sua vida e a lei de Murphy: na teoria, nenhuma. Mas essas coisas costumam se atrair numa freqüência de deixar qualquer monge maluco da vida. O ser humano deve ter sido programado pra entrar em pane total diante de uma situação de ajuntamento popular. Porque simplesmente não há explicação lógica para o comportamento das pessoas no meio da multidão, principalmente se a multidão é usuária do sistema público de transporte.
O pior disso tudo é que, possivelmente, eu ainda estou reclamando de um dos sistemas de transporte mais eficientes do país. Desculpa, mas ser “mais eficiente” diante de uma total falta de parâmetro não me serve. Não interessa se fulaninho lá no meio do país enfrenta mais dificuldades que eu. Os ônibus em Curitiba continuam superlotados, as pessoas continuam mal educadas, o trânsito continua estressante aqui onde eu moro. Digo isso porque, sempre que quero descontar minha frustração cotidiana com o planejamento urbano da cidade, tem alguém pra dizer que ouviu falar de alguém que pega vinte ônibus, dois metrôs e ainda anda quinze quilômetros pra chegar no raio que o parta. Engraçado que nivelar por baixo não era argumento quando eu estudava, ia “mal” numa prova (ficar 0,5 abaixo da média, sei lá) e dizia que todos os meus amigos também enfrentaram dificuldades. Sempre ouvia um “mas eu não sou mãe do fulano”. Agora, quando eu me sinto prejudicada moralmente, é válido usar a desgraça alheia. Pera lá, né.
Passei de desempregada para usuária de biarticulado(s). Não sei o que é pior. No início, como eu sou covarde demais pra me aventurar a usar uma linha que desconheço, ia com o micro-ônibus que passa aqui perto de casa até o centro e de lá pegava outro em que permanecia por apenas três estações-tubo. Mas aí essa conta começa a pesar no meu salário de assistente editorial e eu tive que sair e enfrentar a vida. Acompanhe: o dia começa com um Interbairros III tranquilo, uns 10 minutos de viagem até o terminal. No terminal é que começa o drama propriamente dito. Lá eu entro no Centenário/Campo Comprido. Não é possível mesmo que um ônibus com a palavra “campo” seja uma experiência edificante. Normalmente, espero uns dois desses passarem pra entrar em um mais tranquilo em que sobre pelo menos um caninho em que segurar (pois é, vida que eu tenho nego pena que é fácil). Sem maiores detalhes (que virão a seguir, aguarde), chego a outro tubo no centro e lá finalmente embarco no Santa Cândida/Capão Raso, que me deixará perto do trabalho.
O problema, no entanto, não é a viagem, não é o estado dos terminais de ônibus da cidade, não são as estações-tubo. O problema são as pessoas. Pessoas. Todas entram em tamanho estado de desespero por sei-lá-o-quê que já embarcam mirando qualquer lugar pra se agarrar e lá permanecer até seu ponto de chegada, mesmo que você esteja nesse lugar. Ou seja, primeiro erro: galera não aprendeu na escola a lição básica de que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço. Há também aqueles que querem ficar sentados lindos e cheirosos (not) em seu banquinho até o ponto em que precisará descer. Daí, chegando perto, nota que vai precisar sair de lá na força e sai empurrando o que estiver na frente no melhor estilo jogador de rugby. E dá-lhe agarrar bolsa, fones de ouvido, tudo o que estiver levando consigo para que nada saia do ônibus sem você – isso quando não é necessário tomar o devido cuidado para que você não seja levado pela massa pra fora ou pra dentro do ônibus. Então você sobrevive à viagem, chega no tubo e descobre aquela galera parada na porta esperando para entrar naquele ônibus de que você acabou de sair. É um Deus nos acuda! Mais uma vez as pessoas desafiam as leis da física. Então, no final, quando só falta aquele terceiro ônibus pra essa epopéia terminar, vem mais dificuldade: as pessoas que precisam descer não se contentam em ficar perto da porta, elas precisam ficar agarradas NA PORTA mesmo que não precisem descer no próximo ponto. A distribuição demográfica é comovente: portas 2 e 4 (de saída) entulhadas e o resto do ônibus muito sossegado.
Esses problemas quadruplicam em dia de chuva, porque, não sei o que acontece, mas o povo perde a capacidade de raciocínio em situações adversas. O pessoal que quer sair de um ônibus se choca com aqueles que querem pegar o mesmo e com os que querem ir nas outras portas para embarcar em outro. Tudo. No. Mesmo. Lugar. Do. Tubo. Só sei que na última quarta-feira, quando mais choveu no horário de rush, quase entrei involuntariamente em um ônibus que não precisava tamanha foi a fúria da multidão querendo passar. Mais à frente, uma garota começava a empurrar as pessoas para conseguir passar e, quando finalmente saiu de onde se concentrava a muvuca, esbravejava que tinham passado a mão nela no meio da confusão. Muita classe, muito glamour, muito brilho, muita felicidade.
Interbairros III, Centenário, Santa Cândida. Você pode chamar o inferno por qualquer um desses nomes, pois eu duvido que exista neste ou em qualquer outro mundo uma representação melhor da morada do capeta. É por essas que eu duvido seriamente da existência de céu, purgatório e inferno. Não aceito que enfrentar essa rotina todos os dias não seja parte da quitação da minha dívida, eu não tenho tantos pecados assim pra pagar. O inferno é aqui, o inferno são os outros, já diziam os Titãs.
10 comentários:
Metrô Rio de Janeiro. Isso aí que você viveu é pinto.
eu tenho várias perguntas, haha. o que são essas estações? quer dizer, pelo que entendi, ônibus aí não anda no meio da rua, né?
enfim, esses dias vivi uma experiência meio traumática. minha casa fica a 30-35min da faculdade. o ônibus que peguei fez esse trajeto em DOIS MINUTOS sendo que há obras na avenida. ou seja, o ônibus veio a 100 km/h, como se não houvesse amanhã e como se não houvesse obras de um lado da avenida e carros dos outros. eu cheguei em casa com as pernas bambas, pensando 'sobrevivi' e morrendo de medo porque sei que vou precisar pegar outros ônibus.
Achei que você fosse falar que choveu dentro do ônibus. q
Bom, os ônibus que eu tive que pegar em Curitiba não estavam lotados do jeito que eu entendi no seu texto, mas pela primeira vez eu passei pela comum experiência de ficar de pé segurando aqueles caninhos.
MC, as estações-tubo são esse negócio que tá na foto. É um "ponto" de ônibus em forma de tudo. As pessoas entram e esperam o ônibus parar aí. Sim, os ônibus têm uma canaleta específica pra eles, só passam os biarticulados. Isso é um lado bom do transporte aqui, pelo menos esses não pegam trânsito. Mas isso só vale pros biarticulados mesmo, os outros ônibus transitam nas ruas com os carros.
Não conhecia esse sistema de tubo, aqui só tem ônibus, poucas linhas, paradas de espera péssimas (imagina esperar ônibus ao meio-dia do Piauí, numa parada de ferro, pois é ferro esquenta).
Mas concordo que nem o mais evoluído sistema de transporte consegue superar a falta de educação das pessoas.
hahahaha amei a comparação com o 0,5 ponto invalidando a desgraça alheia. Gênio.
Cara, eu odeio isso. Quando eu preciso ir trabalhar de ônibus eu chego UMA FUCKING HORA E MEIA mais cedo só pra não vir na muvuca. E isso significa horas a menos de sono. O que leva a horas a mais de mau humor. e é um ciclo sem fim.
E daí a gente(eu) penso que porra, eu poderia mesmo começar a dirigir, que daí, ok o trânsito ainda estará lá, mas OI ar condicionado e OI minha música e OI nenhum suvaco na minha cara. Acho que valeria a pena.
beijo
Que coisa legal esse troço de tubos! O sistema em BH é bem bom, mas o problema se repete: as pessoas. Maldição, viu. -.-
Olha como é a vida, minha gente. Até bem pouco tempo eu faria parte do grupo que diz o quão planejado é o transporte público Curitibano. Vim de uma cidade que o custo da passagem é 60 centavos mais caro que aqui e pra um transporte que passa de meia em meia hora. Aqui os biarticulados em questão, em horário de pico, passam um atrás do outro, que é uma maravilha moderna. Mas o planejamento bom termina aí. Acaba quando não se planeja a quantidade de pessoas que usam esses ônibus. Sempre peguei o Santa Bárbara ou Petrópolis, mas esses dias tive que usar os biarticulados pra ir pro terminal Cabral e pra ir pra Campo Comprido levar minha amiga que tava fazendo vestibular. UM INFERNO. A culpa é dessa gente mal educada que utiliza os ônibus, INCRÍVEL. Um pessoal mal educado, com um mal gosto tremendo. Eu, que estava sendo massacrado pelos demais a minha volta, consigo enfim um acento, eis que uma senhorinha de idade entra no ônibus e NINGUÉM levanta pra ela, nem as jovenzinhas nos bancos reservados! Levantei pra ela e quase fui beijado por ela, tamanha gratidão. Mas isso é uma coisa de cultura, viu. O que falta e SÓ o que falta MESMO pro transporte curitibano é planejamento de quantidade de pessoas, porque itinerário, horário, tudo, é MUITO BOM. Afinal, que outro transporte público toca música clássica ambiente no seu percurso? ;)))))
Vou nem fazer a comparação do sistema de transporte urbano porque todo mundo sabe que nordestino é sofredô. Quero só corroborar a sua raiva das pessoas que só levantam do lugar na parada que vão descer. Eu morro de véspera, levanto duas paradas antes e fico agarrada na porta. Então mea-culpa de qualquer forma, não me encaixo no seu padrão de usuário de coletivos ):
E a pedra no rim? Você teve que ir de ônibus pro hospital?
Contagem -> Belo Horizonte é um INFERNO! As pessoas definitivamente acham que coletivo e táxi é a mesma coisa. Levam tudo. Só não levam as casas porque não podem. Em dias de chuva, percebe-se que deveria ter uma lei que obrigaria o cidadão a tirar porte um GUARDACHUVA!
Como sempre, ótimo texto, Érika!
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